sexta-feira, 9 de agosto de 2019

O CONSUMO DE CARBOIDRATO PODE FAVORECER A PERFORMANCE DE CORREDORES EM ATIVIDADES MENORES QUE 60 MINUTOS EM MODERADA-ALTA INTENSIDADE?


Luis Felipe Milano Teixeira



Um dos aspectos relacionados à Economia de Corrida (EC) é a nutrição (ENTENDENDO O CONCEITO DE ECONOMIA DE CORRIDA). A performance em atividades de endurance depende fortemente da ingestão e disponibilidade de nutrientes. Nas últimas décadas tem-se acumulado uma série de investigações acadêmicas que estabelecem um efeito positivo na performance de exercício de endurance quando a ingestão de carboidratos (CHO) é controlada antes, durante e após a atividade. Nesse texto, abordaremos o que se tem até o presente momento sobre a ingestão de CHO durante a corrida de rua.

O grande objetivo de se ingerir CHO durante a corrida de rua é manter a concentração de glicose no sangue (glicemia), no sentido de evitar a fadiga nos períodos finais da atividade prolongada (Coyle et al., 1986; Jeukendrup et al.,1999), aumentando assim a performance e o volume total de exercício, especialmente, quando as reservas endógenas de glicogênio não estão plenamente estabelecidas (Bacurau, Uchida e Teixeira, 2017). 

Outro aspecto relevante no qual a ingestão de CHO durante o exercício prolongado contribui é a disponibilidade sanguínea de CHO, que pode levar a um efeito “poupador" de glicogênio hepático por inibição parcial da glicogenólise e aumento da captação de glicose por parte dos músculos ativos, o que permite a conservação de reservas de glicogênio nas fases finais do exercício (McConnel, Kloot e Hargreaves, 1996). Finalmente, vale destacar que também existem evidencias demostrando que o consumo de CHO durante o exercício prolongado pode contribuir com a manutenção da reserva muscular de glicogênio (Tsintzas et al., 1995).

Desse modo, parece estar bem documentado na literatura que o consumo de CHO durante atividades de longa duração contribui efetivamente para a performance (por aumento da intensidade ou em aumento do volume total de exercício) seja por manter a glicemia em níveis adequados, e assim retardar o surgimento de fadiga por mecanismos centrais, por gerar efeito poupador de glicogênio hepático, por estimular a captação muscular de glicose, ou ainda, pelo efeito poupador de glicogênio muscular, tornando o acesso à essa fundamental fonte energética facilitada e disponível por mais tempo.

De modo geral, recomenda-se que a glicemia pode ser mantida com o consumo de 40-75g de CHO por hora de atividade, diluídos em 400-700ml de água (grau de diluição entre 6-10%). Não existem evidências que demostrem diferença no tipo de CHO que é ingerido (glicose, sacarose ou matodextrina) com excessão para frutose e galactose, que são desaconselhadas. Outro aspecto que parece não interferir é em relação à oferta por meio sólido ou liquido, apesar da forma liquida ser mais comum pela facilidade de transporte, consumo e por contribuir com a hidratação. Finalmente, vale destacar que, em relação à a frequência de consumo recomendada, sugere-se que essa seja distribuída nos últimos 30-40minutos de atividade (Juekendrupe, 2011).

Tais direcionamentos, como dito, estão bem estabelecidos na literatura e, na maior parte das investigações, demostra ser positivo em atividades com volume total a partir de 60 minutos.
Entretanto, recentemente desenvolvemos em nosso laboratório uma investigação que tentou demostrar que o consumo de CHO pode ser interessante em atividades de corrida de rua com duração menor que 60 minutos (Salvadeo-Junior, Assumpção, Conte e Teixeira, 2019).

Levamos em consideração que a maioria absoluta das pesquisas que investigaram o tema comparam o consumo de CHO em atividades com volume maior ou menor que 60 minutos em intensidade moderada, aproximadamente 60-75%VO2Máx. Entretanto, atletas de corrida de rua de boa performance costumam realizar atividades de longa duração, mas menores que 60 minutos (10km entre 30 e 50minutos, por exemplo), em intensidade superior às que normalmente são aplicadas nas investigações sobre o tema.

Nesse sentido, procuramos desenvolver uma metodologia que pudesse auxiliar a responder a seguinte pergunta “o consumo de CHO pode favorecer a performance em atividades menores que 60 minutos em moderada-alta intensidade?”.

Para tal, 6 corredores com experiência de 3,1±1,8 anos na modalidade, consumo máximo de oxigênio (VO2Máx) de 49±3,7 ml/kl/min e velocidade de limiar anaeróbico (VLAn) de 10,8±0,5 km/h participaram do experimento.

Após 48h de serem avaliados em relação à capacidade aeróbia (VO2Máx) e à potência aeróbia (LAn), os voluntários foram submetidos à duas situações experimentais  (48h de intervalo entre elas) semelhantes em volume e intensidade, mas distintas em relação ao consumo de CHO.
O protocolo experimental compreendeu correr 30 minutos em intensidade de LAn seguidos por 10 minutos contra o relógio (o mais rápido possível), totalizando 40 minutos de atividade.

O que diferenciava as duas situações experimentais era o consumo de solução com CHO ou o consumo de solução placebo. Randomicamente divididos e em formato duplo-cego (voluntários e pesquisadores não sabiam qual solução estava sendo ofertada em cada situação experimental), os voluntários realizaram a atividade proposta tendo acesso ou à solução CHO ou à solução placebo.
A solução CHO era composta por 1g/kg/hora de atividade de maltodextrina, com diluição de 10% (por exemplo, um indivíduo com 78kg teve acesso a uma solução de 52g de CHO diluídas em 520ml de água) e sabor suave de limão. A solução placebo era composta por água e saborizador sabor suave de limão sem valor calórico. O volume total era dividido em 6 porções iguais e ofertado ao voluntário a cada 5 minutos nos primeiros 30 minutos do protocolo experimental (6 doses em 30 minutos).
Durante a execução do exercício monitorava-se a velocidade média nos 40 minutos de exercício (valor absoluto e em relação à velocidade de LAn), a velocidade média nos 10 minutos contra o relógio (valores absolutos e em relação à velocidade de LAn), intensidade relativa ao consumo máximo de oxigênio (%VO2Máx) nos 40 minutos de exercício, %VO2Máx nos 30minutos realizados em velocidade de LAn e nos 10minutos contra o relógio.

Os resultados demostraram que houve aumento significativo na velocidade média tanto no teste completo (CHO: 11,4±0,71 km/h; PLA: 11,1±0,79; p=0,03) quanto no contra o relógio (CHO: 11,7±0,39km/h; PLA: 11±0,69l p=0,03). Melhora de aproximadamente 3% e 6% respectivamente a favor do consumo de CHO.

Quando observou-se os valores referentes à velocidade em relação à velocidade de LAn foi verificado comportamento semelhante. Os voluntários conseguiram manter 99,57±2,82% da velocidade LAn no teste completo consumindo placebo, já quando consumiram CHO conseguiram manter 102,1±3,15% da velocidade da LAn, uma melhora de 2,5% (p=0,03). No período de 10minutos contra o relógio a diferença foi ainda maior, os voluntários mantiveram 99,43±6,52% da velocidade de LAn com o consumo de placebo e 105,27±7,9% da velocidade de LAn com o consumo de CHO, desenvolvimento de 5,8% (p=0,03).

Finalmente, ao verificar a intensidade relativa (%VO2Máx) observamos diferença significativa no período de 30 minutos na velocidade de LAn. A intensidade relativa nesse período foi de 76,67±3,8%VO2Máx quando era consumido placebo e de 73,43±4,27%VO2Máx quando era consumido CHO. Economia de aproximadamente 3% para desempenhar um esforço absoluto 3% maior.

Assim sendo, nosso estudo demostrou que o consumo de CHO pode aprimorar o desempenho em atividades de corrida menores que 60minutos, 40 minutos para ser mais preciso, em intensidade referente ao LAn (aproximadamente 80%VO2Máx) em corredores experientes.

Apesar do referido estudo ter limitações, como a quantidade de voluntários, por exemplo, seus resultados indicam que há potencial ergogênico no consumo de CHO durante atividades de corrida de rua, não apenas em volumes superiores à 60 minutos, mas também em provas de menor duração com intensidades próximas à velocidade referente ao LAn. 

Certamente, pesquisas com uma quantidade maior de voluntários, diferentes perfis de corredores (iniciantes, avançados) e maior requinte metodológico devem ser desenvolvidas para corroborar tais achados. Contudo, tudo indica que o corredor também pode se beneficiar do consumo de CHO durante provas de até 60minutos em intensidades de moderada à alta.


Referências

Bacurau RFP, Uchida MC, Teixeira LFM. Nutrição Esportiva e do Exercício Físico. Ed Phorte, São Paulo, 2017.

Coyle EF. Substrate usage during prolonged exercise following a preexercise meal. Jounal of Applied Physiology. 1986, 59(2), 429-33.

Juekendrupe AE. Nutrition for endurance sports: marathon, triathlon, and road cycling. Journal os sports Sciences. 2011, 29(1) 91-99.

McConnel G; Kloot K; Hargreaves M. Effect of timinutosg of carbohydrate ingestion on endurance exercise performance. Medicine ab science in sports and exercise. 1996, 28(10), 1300-4.

Salvadeo-Junior CA, Assumpção CO, Conte M, Teixeira LFM. Efeito da Suplementação de  Carboidrato no Desempenho de Corredores. Revista Brasileira de Nutrição Esportiva. 2019, v.13, n77, 123-130.

Tsintzas OK. Carbohydrate ingestion and glycogen utilisation in different muscle fibre types in man. Journal of Physiology. 1996, 81, 801.

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