sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

VOLUME DE TREINAMENTO: Mas afinal, QUANTO devo correr?



Luis Felipe Milano Teixeira
@teixeiraluisfelipe
teixeira.luisfelipe@gmail.com


A última publicação da VASTUS CORRIDA (@vastuscorrida), e primeira da série sobre as VARIÁVEIS DO TREINAMENTO, abordou a variável FREQUÊNCIA DE TREINAMENTO, procurou explorar o tema e compreender como essa variáveis pode interferir no desenvolvimento da performance do corredor. Outro aspecto importante, é que boa parte dos praticantes dessa modalidade, costumam confundir a FREQUÊNCIA DE TREINAMENTO com outra importante variável, o VOLUME DE TREINAMENTO, que é a temática desse texto.

O Volume de treinamento é outra das variáveis fundamentais no programa de treinamento do corredor. É muito comum corredores se perguntarem “Quanto eu Deveria Correr?”, em outras palavras, “Qual o volume de treinamento que devo manter?” .
O volume, normalmente, é representado na quantidade de quilômetros percorridos ou minutos de treino em determinado período, normalmente, por semana. 



De fato, incrementos na frequência de treinamento tendem a elevar o volume semanal de treinamento (seja em minutos ou quilómetros) e, por esse motivo, alguns apontamento realizados no texto sobre frequência de treinamento devem ser observados com critério, uma vez que o aumento na performance, a principio, promovido pela maior freqüência de treinamento, pode, por que não, ter sido efeito do aumento do volume total de treinamento. 

Pesquisas que  investigam o real efeito da frequência de treinamento na performance de corredores deveriam manter o volume de treinamento estável enquanto a frequência semanal sofre variações e, os estudos destacados em nossa última publicação, não possuem tal aspecto em suas metodologias. Pesquisas com tal requinte metodológico seriam capazes de elucidar questões como “QUANTO DEVO CORRER? 5km, 10km, 15km, 20km, 2500km por semana? 


Felizmente, há alguns estudos que nos auxiliam a compreender o efeito dessa variável, o volume de treinamento, no desenvolvimento da performance de corredores. 

Estudo clássico desenvolvido por Debusk e colaboradores (1990) já sinalizavam, naquela época, direcionamento interessantes para essa relação entre frequência e volume de treinamento. Nesse estudo, 18 corredores adultos realizavam uma sessão de 30min por dia por 8 semanas, enquanto outros 18 corredores adultos realizavam 3 sessões de 10min por dia (separadas por intervalos de 4horas) pelo mesmo período. Ambos os grupos mantiveram a mesma intensidade (65-75% da frequência cardíaca máxima) nos treinos e o volume de treinamento foi rigorosamente o mesmo. Após o período de 8 semanas foi observado redução na frequência cardíaca relativa a uma intensidade de trabalho sub-máximo para os integrantes dos dois grupos. Contudo, apenas o grupo que realizou sessões de 30minutos desenvolveram de forma significativa a capacidade aeróbica. Esse resultado chama atenção para o fato de que a freqüência de treinamento pode ter efeito inversamente proporcional ao desenvolvimento de capacidade aeróbica quando o volume é mantido estável ao longo da semana e que sessões de treinamento de longa duração podem ser relevantes para desenvolvimento de capacidade aeróbia, ao menos quando a intensidade de treino é moderada (60-75%). Posteriormente, Murphy e Hardman (1998) encontram respostas semelhantes em estudo com mesmo desenho experimental mas com corredoras.
Essa relação deve ocorrer, possivelmente, pela depleção nas reservas de glicogênio causadas por longas sessões de treinamento, consequência não observada em sessões de pequena duração. Vale destacar que a depleção de glicogênio resulta no estímulo (por vias que serão abordadas em outras publicações) para síntese de proteínas oxidavas, angiogênese e outras adaptações necessárias ao desenvolvimento de capacidades físicas relacionadas ao metabolismo aeróbio. 

Fig 1. Conteúdo de glicogênio muscular do músculo vasta lateral durante exercício contínuo em intensidade equivalente à 80% do VO2Màx (Maughan et al., 2000).


De fato, diversos estudos tem indicado que as adaptações decorrentes do treinamento são relativamente independentes da freqüência de treinamento quando o volume e a intensidade de treinamento são mantidas constantes. 

Adicionalmente, a literatura tem indicado que o volume de treinamento tem forte relação na magnitude das adaptações fisiológicas induzidas pelo treinamento e na performance em provas de endurance. De modo geral, corredores que aumentam seu volume de treinamento, de baixos volumes (8-16km/semana) para altos volumes semanais (56-64km/semana) experimentam desenvolvimento significativo na capacidade e potência aeróbicas (algo entre 15-20%).


Desse modo, parece ficar claro que o volume de treinamento possui papel fundamental no desenvolvimento da performance em corredores e que possui intima relação com a frequência de treinamento, mas que se destaca em relação a essa última quando o objetivo é desenvolver a performance aeróbia. MAS CUIDADO, isso não significa que você deve, então, decidir aumentar dramaticamente seu volume semanal de corrida. Como dito  em nossa última postagem, CUIDADO com o raciocínio RASO e SUPERFICIAL.

O que a literatura indica é que essa variável do treinamento, o volume de treinamento, deve ser cuidadosamente controlada e manipulada. Parece claro que o incremento/manipulação dessa variável promove importantes adaptações fisiológicas no organismo do corredor e que permitirão que esse melhore sua performance, mas tal incremento deve respeitar outros aspectos, tais como intensidade do treinamento, objetivo da fase de treinamento, composição corporal do atleta, estado de tecidos orgânicos (especialmente àqueles que conferem estabilidade passiva às estruturas articulares), estado psicossocial do atleta, só para citar alguns.
Assim como quando discutimos sobre frequência de treinamento, sobre volume de treinamento também há pouca informação na literatura e o que há indica que quem realiza maior volume de treinamento desenvolve maior performance. Contudo, também existem indícios de demostram que o alto volume de treinamento esta relacionado ao maior risco de lesão, desenvolvimento de depressão imunológica e síndrome de overtraining.




Desse modo, o que deve-se levar dessa reflexão é que  o volume de treinamento  é uma variável fundamentalmente importante no planejamento do treinamento, que tem papel central no desenvolvimento da performance do corredor e que, como qualquer outra variável do treinamento, deve ser prescrita e monitorada respeitando os princípios do treinamento físico. Em outras palavras, deve haver progressão e flutuação do  volume de treinamento ao longo do tempo relacionando-o com a intensidade e os objetivos da fase de treinamento, levando em consideração as características individuais, a progressão de sobrecarga, as respostas adaptativas já concretizadas, o modelo de periodização selecionado, entre dezenas de outras variáveis do treinamento que devem ser controladas.




Se você iniciou a leitura desse texto com a expectativa de encontrar um número mágico de quilómetros ou de minutos que você deve correr semanalmente e até agora não os encontrou, sinto decepcionar-lhe, esse número mágico não existe e, é por isso, que não encontra nesse texto. Como já descrito em nosso último texto, o ACSM (2011) aponta que indivíduos sedentários devem acumular 150minutos de atividade física na semana com uma frequência de até 4-5 vezes por semana de atividade moderada ou 3 vezes por semana de exercício vigoroso ou ainda uma combinação de sessões intensas e moderadas entre 3-5 vezes por semana. Assim, é adequado que tal indicação seja utilizada como ponto de partida e, a partir dai, aplica-se a progressão do volume de treinamento, sempre respeitando os princípios do treinamento e a sua relação com as demais variáveis do treinamento, que continuarão sendo discutidas aqui no blog da VASTUS CORRIDA nas próximas publicações.


Continue nos acompanhado e não corra no escuro! @VASTUSCORRIDA


Referências:

ACSM, Quantity and Quality of Exercise for Developing and Maintaining Cardiorespiratory, Musculoskeletal, and Neuromotor Fitness in Apparently Healthy Adults: Guidance for Prescribing Exercise, Medicine & science in sports & exercise, 2011. DOI: 10.1249/MSS.0b013e318213fefb

Anderson O. Runing Science. Human Kinetics, Champaign-IL, 2013.

DeBusk R et al. Training effects long versus short bouts os exercise in healthy subjects. American Journal of Cardiology, Vol.65(15), pp 1010-1013, 1990.

Murphy MH & Hardman AE. Training effects of short and long bouts of brisk walking in sedentary women. Medicine & Science in Sports & Exercise, VOL.30(1), pp. 152-157,1998.

Marti B et al. Relationship of training and life-stile to 16km running time 4000 joggers. Intenational Journal os sports medicine, Vol 65(5), pp85-91, 1988.


Wenger HA and Bell GJ. The interactions of intensity, frequency, and duration of exercise training in altering cariorrespiratory fitness. Sports Medicine, Vol 3 (5), pp. 346-356, 1986.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

FREQUÊNCIA DE TREINAMENTO: Mas afinal, quantas vezes por semana devo correr?


Luis Felipe Milano Teixeira 
@teixeiraluisfleipe
teixeira.luisfelipe@gmail.com


A freqüência de treinamento é uma das variáveis fundamentais no programa de treinamento do corredor e esta estreitamente relacionada ao volume total de treino. É muito comum corredores se perguntarem “Quanto eu Deveria Correr?”, em outras palavras, “Qual o volume de treinamento que devo manter?”  ou, “Com que frequência devo treinar?”, em outras palavras, "quantas vezes por semana devo treinar?”.

O volume, normalmente, é representado na quantidade de quilômetros  percorridos em determinado período, normalmente, por semana. Já a frequência é representada pelo número de sessões de treinamento que o corredor realiza em uma semana.

Corredores, amadores ou não, estão sempre tentando achar o ponto que equilíbrio, a “dose ideal", entre o “muito" e o “muito pouco” em relação a tais variáveis. Contudo, esse tipo de atleta (amador ou não), tem por hábito treinar sempre no limite de seus corpos, sempre querendo aumentar o volume (da sessão ou semanal) e/ou melhorar seu tempo (intensidade) a cada nova sessão de treinamento. Tal comportamento tem relação direta com a maior parte das lesões enfrentadas pelos corredores de rua. 

Decisões sobre volume e frequência de treinamento são fundamentais para o desenvolvimento da performance de modo efetivo e seguro em corredores, contudo, normalmente são tomadas sem muito embasamento científico, talvez pelo fato de que não exista muito esclarecimento oferecido por estudos acadêmicos sobre essa temática. De fato, ainda existem muitas perguntas a serem respondidas, mas há alguns direcionamentos, e são sobre tais direcionamentos em relação à freqüência de treinamento que essa postagem se dedicará.

Sobre a frequência de treinamento, estudos clássicos apontam que existe alta correlação entre frequência semanal de treinamento e desenvolvimento da capacidade aeróbia e a performance em corredores (Pollock et at., 1975; Wenger et al., 1986).

Para corredores pouco experientes, iniciantes, o impacto positivo da frequência de treinamento sobre a capacidade aeróbica e a performance é ainda mais relevante. Em estudo conduzido por Wenger e colaboradores (1986) foi possível observar desenvolvimento de 43% na capacidade aeróbica máxima em corredores iniciantes que treinavam entre 5-6 vezes por semana, enquanto que, corredores iniciantes que treinavam entre 2-4 vezes por semana demostraram um desenvolvimento de 20-25%, após 9 semanas de treinamento.

Outro apontamento interessante que relaciona a frequência de treinamento com o desenvolvimento da performance de corredores foi realizado por Hagan et, al. (1981). Em estudo transversal que investigou 50 corredores do sexo masculino com pace entre 2’19" e 4’58”, ficou demostrado que, nas nove semanas que antecediam a participação em uma prova de maratona, a freqüência de treinamento era inversamente proporcional a performance na prova, ou seja, quanto maior era o número de sessões de treinamento por semana, menor era o tempo de realização da maratona. 

O mesmo grupo de pesquisa conduziu outro estudo (Hagan et. al., 1987) onde foram investigadas 35 corredoras com tempo médio de 3h47 na maratona. Nessa investigação foi verificado que a quantidade de sessões de treinamento realizadas nas 12 semanas que antecederam a competição era inversamente proporcional ao tempo de prova. Novamente, quanto maior a frequência de treinamento, menor o tempo na maratona.

Já Marti et al., (1988) conduziram estudo que investigou 4000 corredores e demostrou que quanto maior a frequência de treinamento, melhor era a performance em provas de 10milhas (16km). Corredores que treinavam entre 5-6 vezes por semana obtiveram melhores marcas que corredores que treinavam 3 vezes por semana.

Vale destacar que, nos estudos citados, uma sessão de treinamento era definida como qualquer tipo ou intensidade de corrida (leve, moderada ou intensa), logo, não consideravam o volume e/ou a intensidade de cada sessão.

Desse modo, parece ficar claro que a frequência de treinamento possui papel relevante no desenvolvimento da performance em corredores. MAS CUIDADO, isso não significa que você deve, então, decidir correr todos os dias. CUIDADO, com o raciocínio RASO, SUPERFICIAL, de que, se quatro vezes por semana é melhor do que duas vezes e seis vezes por semana é melhor do que 4 vezes, então devo correr 6-7 dias por semana , MUITO CUIDADO.

Há pouco informação sobre a temática na literatura? Sim. O que há indica que quem treina com maior frequência possui maior performance? Sim. Contudo, também existem indícios de demostram que a alta frequência e alto volume de treinamento (temática de nossa próxima postagem) estão relacionados ao maior risco de lesão, desenvolvimento de depressão imunológica e síndrome de overtraining.

O que devemos levar desse texto e dessa reflexão é que a frequência de treinamento é uma variável importante no planejamento do treinamento, que tem papel fundamental no desenvolvimento da performance do corredor e que, como qualquer outra variável do treinamento, deve ser prescrita e monitorada respeitando os princípios do treinamento físico. Em outras palavras, deve haver progressão e flutuação da frequência de treinamento ao longo do tempo relacionando-a com o volume, a intensidade e os objetivos da fase de treinamento, levando em consideração as características individuais, a progressão de sobrecarga, os objetivos da fase de treinamento, as respostas adaptativas já concretizadas, o modelo de periodização selecionado, entre dezenas de outras variáveis do treinamento que devem ser controladas.

Desse modo, podemos concluir que a frequência de treinamento parece ter, de fato, impacto positivo na performance de corredores, mas deve-se ter em mente que os estudos, em sua maioria, investigaram esse tópico em corredores experientes (vide o pace, tempo médio de maratona e o fato de correrem maratona dos indivíduos investigados) e que não levaram em consideração o que era realizado em cada sessão, investigaram apenas “quantas sessões eram realizadas”. Vale lembrar que o ACSM (2011) aponta que indivíduos sedentários, que estão adotando o hábito de se exercitar, devem acumular 150minutos de atividade física na semana com uma frequência de até 4-5 vezes por semana de atividade moderada ou 3 vezes por semana de exercício vigoroso ou ainda uma combinação de sessões intensas e moderadas entre 3-5 vezes por semana. Desse modo, parece adequado utilizar essa referência como ponto de partida e, a partir dai, progredir com essa variável do treinamento, a freqüência semanal, respeitando os princípios do treinamento e a sua relação com as demais variáveis do treinamento, que serão discutidas aqui no blog da VASTUS CORRIDA nas próximas publicações.

Continue nos acompanhado e não corra no escuro! @VASTUSCORRIDA







Referências:

ACSM, Quantity and Quality of Exercise for Developing and Maintaining Cardiorespiratory, Musculoskeletal, and Neuromotor Fitness in Apparently Healthy Adults: Guidance for Prescribing Exercise, Medicine & science in sports & exercise, 2011. DOI: 10.1249/MSS.0b013e318213fefb

Anderson O. Runing Science. Human Kinetics, Champaign-IL, 2013.

Hagan R et al. Marathon performance in relation to maximal aerobic power and training indices. Medicine e science in sports and exercise, Vol 13(3), pp. 185-189, 1981.

Hagan R et al. Marathon performance in relation to maximal aerobic power and training indices in female distance runners. Britsh journal of sports medicine, Vol 21(1), pp 3-7, 1987

Marti B et al. Relationship of training and life-stile to 16km running time 4000 joggers. Intenational Journal os sports medicine, Vol 65(5), pp85-91, 1988.

Pollock ML et al. Frequency  of training as a determinant for improvement in cardiovascular function and body composition of middle-aged men. Archives of physical medicine e rehabilitation, Vol 56 (4), pp. 141-145, 1975.

Wenger HA and Bell GJ. The interactions of intensity, frequency, and duration of exercise training in altering cariorrespiratory fitness. Sports Medicine, Vol 3 (5), pp. 346-356, 1986.