domingo, 22 de setembro de 2019

A FORMA COMO SE CORRE (TÉCNICA) É TÃO IMPORTANTE PARA A ECONOMIA DE CORRIDA E A PERFORMANCE?


Ao observarmos a corrida de um atleta de alto nível parece que seu esforço é bem menor que o nosso quando estamos correndo, muitas vezes à metade da velocidade. O que mais conseguimos observar é a forma como ele se movimenta, dentro de nossa limitação de visualizar os movimentos a somente 30 quadros por segundo. 

Muitos movimentos que ocorrem na corrida não são vistos a olhos nus sendo necessária uma avaliação mais detalhada com cameras de alta velocidade ou sistemas que filmam o movimento em 3 dimensões. Mas além disso, é importante saber se os movimentos realizados podem ser eficientes o suficiente para gerar performance. Para isso é de vital importância a análise da técnica do corredor, em detalhes muitas vezes não imaginados por qualquer um, já que correr é uma atividade que fazemos há tanto tempo, com enorme domínio, e de forma tão eficiente. Será? 

Por isso, a correção técnica tem sido bastante estudada por meio dos métodos de controle de padrões técnicos (corrida com antepé, mediopé ou retropé, Chi Running e Pose Running, dentre outros) (Goss e Gross, 2012). 




            A tentativa da alteração da técnica ocorre pela observância de parâmetros biomecânicos como a forma de tocar o pé ao solo, comprimento e frequência de passada, posicionamento de tronco, etc. Lieberman et al (2010) relatando sobre as análises cinemáticas e cinéticas realizadas em nativos no Quênia, que corriam descalços, e corredores da cidade, correndo calçados, mostraram que em superfícies mais rígidas, a corrida com antepé era geradora de uma menor força de impacto comparados aos corredores calçados. Esta diferença se dá pela forma que tocavam o solo. Ao final, afirmam que a corrida com antepé e mediopé são as formas que mais protegem os membros inferiores de uma intensidade elevada de impacto relacionado às lesões, como o experimentado por grande parte dos corredores, principalmente as ocorridas no joelho.

            
Dentre os métodos citados anteriormente, um deles o Chi Running, é descrito como um método que busca o alinhamento do corpo, mente e o movimento para frente. Neste método os corredores são instruídos a aterrissar com o mediopé, o corpo com leve inclinação à frente, passadas mais curtas com o foco nos membros inferiores relaxados (Goss e Gross, 2012)





Já o Pose Running se baseia no contato com meio e antepé, minimizando o tempo de contato, colocando o pé no solo, e não batendo-o no chão tão vigorosamente. Visa melhorar o aproveitamento da energia elástica havendo a redução do impacto com a projeção do tronco à frente (Goss e Gross, 2012).



Ok, mas e a questão energética? Qual a relação do gasto de energia durante a corrida com a técnica? Qual a relação da performance com a técnica da corrida? Estas perguntas foram feitas por Folland e colaboradores (2017). Neste interessante estudo, eles avaliaram quase 100 homens e mulheres, com tempo médio de 36' e 43', respectivamente, para os 10k, e com uma frequência de treino entre 4 a 5 vezes / semana. Foi feito um levantamento antropométrico e composição corporal, series de corridas máximas e submáximas para analisar as trocas respiratórias e mais de 30 variáveis biomecânicas. 




Um modelo de regressão linear (técnica estatística) identificou que quase 40% da variância na economia de corrida foi explicada por uma combinação da variação da oscilação vertical normalizada pela estatura, em 28%, pelo menor ângulo do joelho no momento do toque no solo, em 9%, e finalmente, pela mínima velocidade horizontal da pelve, em 2,5%  (ver gráfico 1).  

Já em termos de performance considerando os tempos dos 10 km dos corredores avaliados, a mesma técnica estatística obteve que 30 % da variância neste fator (performance) foi explicada por uma combinação do ângulo da tíbia no toque do calcanhar no solo, em 10%, pela mínima velocidade horizontal da pelve, em 9,9%, pela relação entre o tempo de contato e o tempo de voo, denominada de Duty Factor, em 6,4%, e finalmente,  pela média do ângulo de extensão do tronco durante toda a passada, em 4,2% (ver gráfico1). 



Gráfico 1 - Demonstração da percentual de contribuição de cada variável destacada na composição da Economia de Corrida e na performance (melhor tempo dos 10k). (Modificado de Folland e colaboradores, 2017)
Legenda: DF - Duty Factor - relação entre tempo de contato do pé com o solo e tempo em fase aérea; xTAmean - média do ângulo de extensão do tronco durante toda a passada; VyPmin - mínima velocidade horizontal da pelve; xKAGC,min - menor ângulo do joelho no momento do toque no solo; AzPGC,H - variação da oscilação vertical normalizada pela estatura; xSATD - angulo da tíbia no toque do calcanhar no solo.

Descrevendo estas variáveis destacadas por Folland e colaboadores (2017), eles acreditam que a oscilação vertical (OV) da pelve é a variável que melhor reflete a rigidez dos membros inferiores durante a fase de apoio, já que a oscilação do centro de massa pode ter a influência dos movimentos dos braços, tronco e cabeça. Uma maior oscilação vertical envolve mais trabalho contra a gravidade, aumentando o tempo e a força necessárias para se contrapor a esta excessiva oscilação. Sendo assim, membros com complacência controlada (não muito rígido, nem tão pouco, muito flexivel), conseguem oferecer um retorno aceitável em termos de aproveitamento ótimo da energia elástica, aliada a uma menor quantidade de energia concêntrica proveniente dos músculos envolvidos. Isto acaba tendo uma ótima relação com a EC. 

Com relação às variaveis cinemáticas pode-se destacar, principalmente no momento do toque do pé ao chão, um joelho mais estendido e um maior angulo da tíbia em relação ao solo, assim como de dorsi flexão, trazendo uma maior amplitude de movimento durante todo o tempo de contato com o solo, e consequentemente, aumentando-o. O reflexo disto poderia ser um maior gasto energético através de uma maior uso da energia excêntrica e, posteriormente, da concêntrica, para reacelerar. 

Enfim, dado o apresentado pelos autores, a preocupação maior com a técnica de corrida tem que ser com os parâmetros envolvidos na EC e na performance, neste post destacamos a oscilação vertical e alguns parâmetros cinemáticos. No próximo post continuaremos a mostrar outras variáveis tão importantes quanto a estas. 


Referências Bibliográficas: 


Goss, D. L., & Gross, M. T. (2012). A review of mechanics and injury trends among various running styles. NORTH CAROLINA UNIV AT CHAPEL HILL.

Lieberman, D. E., Venkadesan, M., Werbel, W. A., Daoud, A. I., D’andrea, S., Davis, I. S., ... & Pitsiladis, Y. (2010). Foot strike patterns and collision forces in habitually barefoot versus shod runners. Nature463(7280), 531.

Folland, J. P., Allen, S. J., Black, M. I., Handsaker, J. C., & Forrester, S. E. (2017). Running technique is an important component of running economy and performance. Medicine and science in sports and exercise49(7), 1412.




sexta-feira, 6 de setembro de 2019

MELHORA DE 4% NA ECONOMIA DE CORRIDA GERA ALTERAÇÕES CINEMÁTICAS?

Continuando o post (O TÊNIS PODE INFLUENCIAR NA ECONOMIA DE CORRIDA? ) onde apresentamos o trabalho comparando um protótipo de um tênis com dois outros modelos, hoje seguiremos a mesma linha, mas  com outro artigo descrevendo se a economia de corrida realmente é obtida com o protótipo nas condições de tênis, comercializável, já no mercado. 

Figura 1- Componentes da entressola do NVF. 
Somente para lembrar que a tecnologia deste calçado apresenta uma placa de fibra de carbono (plate) em entre duas camadas de Poliuretano expandido como apresentados na figura ao lado.

A diferença no estudo de Barnes e colaboradores (2018) e de Hookgamer e colaboradores (2017), citado na postagem anterior, foi a comparação ter sido realizada com um terceiro calçado sendo uma sapatilha apropriada à pista de atletismo, e o outro calçado de uma empresa concorrente, um modelo posterior ao utilizado na quebra do recorde da maratona em Berlim (ver figura 2). 

Neste caso, os homens tinham tempos sub 15' e 30' em provas de 5 e 10 quilômetros, respectivamente e as mulheres sub 17' e sub 35' nas mesmas provas. Ao correr em 4 velocidades pode-se ver qual o comportamento do consumo de oxigênio com o uso de cada tênis e também o comportamento de algumas variáveis biomecânicas como cadência, tamanho de passada, tempo de contato e tempo na fase aérea. Vamos aos resultados. 

O tênis em questão melhorou a economia de corrida a uma média de 4,2% comparado com ao tênis da marca concorrente. A variação desta economia entre os 24 atletas (homens e mulheres)  foi entre 1,72 a 7,15%, demonstrando uma variabilidade individual considerável. 

Com a equalização da massa dos tênis, já que o da concorrente era mais pesado, a economia de corrida foi da ordem de 2,9%. Na comparação com o outro modelo da marca, lembrando que este era uma sapatilha utilizada em pista de atletismo, muito próximo de um tênis minimalista, a economia do consumo de oxigênio foi de 2,6%.  Veja o comportamento individual e da média do grupo no gráfico abaixo. 


Gráfico 1 -  Consumo de oxigênio individual (traços em cinza) e a média do grupo (em preto) em cada velocidade e com o uso de cada calçado. 
Figura 2 - Modelos dos tênis comparados, onde o NVF+ teve um acréscimo de 25 a 35 gramas na massa do NVF para igualar a sua massa com o ADI.
Outra classe de variáveis foi as relacionadas à biomecânica, onde o estudo analisou o tempo de contato, tempo de voo, a cadência e o comprimento de passada. Neste estudo os homens apresentaram maior tempo de contato e fase aérea, menor cadência e maior comprimento de passada quando utilizando o NVF e o NVF+. 

Nas velocidades utilizadas, o tempo de contato foi 2,5%, 1,6% e 1,2% maior com NVF comparado ao NZM, nas velocidades 14, 16 e 18 km/h, respectivamente. Comparando com o ADI estas diferenças no tempo de contato foram da ordem de 0,2 , 0,9 e 0,8% mais longos  com NVF. 

Para as mulheres, não houve diferença entre NVF e NZM nas velocidade de 14 e 15 km/h, mas apresentou um tempo de contato 0,76% menor, favorável ao NVF, e de 1,8% menor comparado ao ADI em todas as velocidades. 

Quanto à cadência, ela foi 1,1% e 1,2% menor utilizando o NVF comparando ao NZM nas velocidades de 16 e 18 km/h, nos homens.  Já para as mulheres, houve diferença entre os mesmo modelos, da ordem de 0,9% , 1,7% e 1% sendo uma menor cadência para o NVF comparado ao NZM. Comparando o  ADI com o NZM esta variável foi 1,4%, 1,7% e 1% menor  no ADI, nas velocidades 14, 15 e 16 km/h, respectivamente. 

Com relação ao comprimento da passada, NVF apresentou esta variável 0,7% maior a 14km/h e nas demais velocidades não foi diferente do modelo ADI. Quando comparado ao NZM, houve diferença nas maiores velocidades, 16 e 18 km/h, da ordem de 1,3% e 1,2%, respectivamente. O mesmo aconteceu com as mulheres para esta variável. 




Com todas estas informações os autores mostraram a possibilidade de uma melhora da economia de corrida com o uso deste tênis com uma tecnologia diferenciada em sua entressola. Mas o que os autores efetivamente não mostraram é se houve uma alteração na forma de pisar durante os testes ao utilizar o NZM, por exemplo. Segundo os autores, 5 dos 24 atletas tinham uma característica de corrida com antepé ou mediopé, não sendo possível efetuar comparações entre o tipo de pisada com o uso destes calçados e a economia de corrida. 

Um fator não mencionado é que ao correr com estas sapatilhas tende-se a modificar a pisada pelo menos para meiopé, já que a quantidade de borracha na região do calcanhar é pequena o que levaria a uma mudança, principalmente nas velocidades mais elevadas. Veja um pouco sobre este assunto em nosso post (ALTERAR O TIPO DE PISADA É BENÉFICO AO CORREDOR?)

Outro ponto questionado é: se observarmos a construção do NVF e a configuração da fibra de carbono, percebe-se que talvez o maior aproveitamento da resiliência desta placa seja exatamente na corrida com antepé. Na corrida com retropé talvez haja um certo favorecimento somente  após o médio apoio, fase em que há a transição do quadril em uma posição atrás do pé para frente do pé. Esta transição é a troca da fase de frenagem para a fase de propulsão. Talvez um aprofundamento desta pesquisa possa ser a verificação se este tênis é capaz de melhorar a economia de corrida em qualquer tipo de pisada. 


Referências Bibliográficas: 

Barnes, K. R., & Kilding, A. E. (2018). A randomized crossover study investigating the running economy of highly-trained male and female distance runners in marathon racing shoes versus track spikes. Sports Medicine49(2), 331-342.

Hoogkamer, W., Kipp, S., Frank, J. H., Farina, E. M., Luo, G., & Kram, R. (2017). A comparison of the energetic cost of running in marathon racing shoes. Sports Medicine48(4), 1009-1019.