domingo, 29 de março de 2020

COMO A PRONAÇÃO PODE AFETAR DIRETAMENTE A SOBRECARGA NOS MEMBROS INFERIORES DURANTE A CORRIDA

      Antes de falar do papel do tênis na pronação como prometido na ultima postagem sobre este movimento do pé (Falando de pronação), onde introduzimos a importância deste movimento durante a corrida, optamos em aprofundar um pouco mais mostrando como a pronação pode afetar os membros inferiores com a sobrecarga da corrida. 

       É esperado que conforme entremos em um condição de fadiga haja a deterioração da qualidade dos movimentos realizados sob esta condição. E na corrida isso não é diferente, até mesmo no pé. É o que mostra o artigo de Mei e colaboradores (2019), onde o movimento estudado sob fadiga é exatamente o movimento do pé em pronar. A fadiga pode provocar uma maior pronação na corrida? Se sim, como isto ocorre? Estas são perguntas ficam na cabeça de corredores e treinadores, já que existem evidências de que a pronação pode  ser um dos diversos fatores de risco para lesão, quando esta é avaliada, levando-se em consideração, a amplitude passiva deste movimento (Rodrigues e colaboradores, 2013). 

       Mei e colaboradores (2019) utilizaram diversas variáveis para identificar uma possível influência da fadiga na pronação e na força de contato nas articulações do quadril, joelho e tornozelo. Os autores verificaram que as forças a que as articulações são submetidas e as forças de contato nas articulações foram alteradas com o aumento da pronação do pé após uma corrida de 5 quilômetros. Especificando mais estes resultados, as forças no quadril  aumentaram durante a fase de apoio, acontecendo o mesmo nas forças abdutoras do joelho e a força de contato no sentido superior-inferior.



      Com relação ao tornozelo, também houve aumento da força de contato anteroposterior e superior-inferior. O Foot Posture Index (FPI), como variável de indicação da pronação na condição estática, apresentou uma correlação com as forças do joelho nas situações pré e pós corrida. Os autores sugerem que as cargas repetitivas de atividades prolongadas como a corrida, reduzem a altura do arco plantar longitudinal medial e apresenta uma postura pronada do pé em corredores de longa distância, verificados pelo mesma ferramenta (FPI).

      Em corredores recreacionais lesionados tem sido identificado uma redução na força dos flexores, abdutores e rotadores externos do quadril. Esta falta de força leva a um desequilíbrio na forças do quadril, afetando também as forças a que o joelho é submetido durante a corrida.  

      Observando pela via inferior através do FPI, este explica, parcialmente, as forças na articulação do joelho na condição de flexão e abdução, antes e após os 5k de corrida, onde com a pronação do pé as forças abdutores no joelho aumentam. O aumento da pronação tem se mostrado uma associação com cargas mediais no joelho e stress tibial durante a locomoção. 

     Sendo assim, as relações existentes entre a alteração do FPI e as forças a que cada articulação é submetida, conforme demonstrada no estudo, leva os autores a afirmarem que o FPI pode ser uma ferramenta de verificação de sobrecarga da prática da corrida em corredores recreacionais. Uma media clínica relativamente fácil de ser feita, e que pode ser uma importante informação para controlar a carga de treino do corredor, já que em uma condição de fadiga aumenta-se a pronação. 


Bibliografia: 

Rodrigues, P., TenBroek, T., & Hamill, J. (2013). Runners with anterior knee pain use a greater percentage of their available pronation range of motion. Journal of Applied Biomechanics29(2), 141-146.

Mei, Q., Gu, Y., Xiang, L., Baker, J. S., & Fernandez, J. (2019). Foot pronation contributes to altered lower extremity loading after long distance running. Frontiers in Physiology10, 573.

       

      

sábado, 14 de março de 2020

INTENSIDADE DE TREINAMENTO NA CORRIDA DE LONGA DURAÇÃO | PARTE 1: Mas afinal, o que é isso?


Luis Felipe Milano Teixeira
@teixeiraluisfelipe
teixeira.luisfelipe@gmail.com


Nessa nova série da VASTUS CORRIDA (@vastuscorrida) sobre as VARIÁVEIS DO TREINAMENTO em corridas de longa duração, já discutimos a FREQUÊNCIA DE TREINAMENTO e o VOLUME DE TREINAMENTO, agora é chegada a hora de iniciar às discussões sobre uma variável que determinará todas as demais e que, de modo geral, é a mais negligenciada por corredores de rua, vamos iniciar a discussão sobre INTENSIDADE DE TREINAMENTO.
Por se tratar de uma variável complexa e com diversas nuances, à discutiremos em três textos, o primeiro dedicado a caracteriza-la, o segundo dedicado à demostrar algumas ferramentas para monitora-la e o terceiro texto discutirá modelos de distribuição da intensidade de acordo com a periodização e objetivos de treinamento.

Corredores de rua, normalmente, priorizam treinos em intensidades mais  baixas e moderadas na fase de preparação geral, ou base, do treinamento e procuram aumentar a intensidade nas fases mais específicas. Contudo, a falta de cuidado no monitoramento e controle dessa variável faz com que a maioria absoluta dos corredores de rua permaneçam treinando nas mesmas zonas de treinamento por longos períodos, ou mesmo, por todo o macrociclo de treinamento determinado, mesmo tendo a intensão de promover alterações nessa variável. Por outro lado, há um considerável arcabouço de informação na literatura científica que demostra que apenas essas zonas de intensidade de treinamento possuem fraco efeito sobre os indicadores de performance aeróbica quando comparados a zonas mais intensas 



 Fig 1. Corredores, de modo geral, preferem realizar treinos longos e acabam realizando seus estímulos sempre dentro das mesmas zonas de intensidade.

Desse modo, se destaca não apenas a necessidade de compreender o que é intensidade de treinamento e como ela se manifesta, como ela pode ser mensurada e como ela pode, e deve, ser monitorada.

Para construir e consolidar esse conceito é importante ter claro que a intensidade esta diretamente relacionada à “dose" de exercício, ou de estímulo, que esta sendo ofertado ao organismo que treina, e que, por esse motivo, esta diretamente relacionada à resposta, ou adaptação, que esse organismo que treina sofrerá.

Quando iniciamos, ou mantemos, um processo de treinamento o fazemos por algum objetivo. Para atingir esse objetivo será necessário desenvolver algumas capacidades físicas necessárias à tornar o organismo que treina apto a realiza-lo. Para desenvolver essas capacidades físicas necessárias à tornar o organismo que treina apto a realizar o objetivo será necessário desenvolver adaptações biomoleculares, teciduais, fisiológicas e biomecânicas que estão diretamente relacionadas às “doses" de estímulo que serão ofertadas ao organismo que treina durante o processo de preparação. Enfim, se não se sabe, exatamente, a intensidade, a “dose" de estímulo que esta sendo ofertada ao organismo, não se pode prever as adaptações que serão geradas, o que impede de ter clareza do desenvolvimento das capacidades físicas necessárias ao desenvolvimento da aptidão física para se alcançar o objetivo proposto.

Em outras, e muito mais simples palavras, quando não se sabe a “dose" exata de estímulo que esta sendo ofertada ao organismo não há como garantir absolutamente nada, tão pouco, ter segurança no processo de treinamento, segurança de que o objetivo será atingido e segurança de que será atingido com o menor risco de lesão. 


Fig 2. Quando não é ofertada a intensidade correta para determinada adaptação não adianta esperar que essa adaptação ocorra.


Partindo desse preceito, começa a ficar claro por que tantos corredores se lesionam no processo de treinamento, por que tantos corredores passam longos períodos sem melhorar suas marcas, por que tantos corredores continuam a treinar sem evoluir adequadamente, em ritmo muito menor do que seriam capazes. Começa a ficar claro por que tantos corredores possuem indicadores excelentes de potência aeróbica (i.e. VO2Máx) e, ao mesmo tempo, indicadores muito abaixo dos esperados em potência aeróbia (i.e. Limiares) e por isso percorram bem abaixo do que poderiam.

Normalmente, corredores não controlam adequadamente a intensidade de seus treinos, não sabem exatamente o tipo de estímulo, a magnitude da “dose" de exercício, que esta sendo ofertada ao organismo e, por esse motivo, não sabem exatamente o que estão estimulando e não atingem os resultados esperados por estarem estimulando algumas adaptações, enquanto precisam de outras.

Sim, exatamente isso, você pode estar trabalhando em intensidades que estimulam adaptações das quais você já não necessita mais, pelo menos em determinado momento, e perdendo a oportunidade de ofertar ao seu organismo estímulos que levem às adaptações que farão você correr mais e mais rápido, objetivo final de qualquer corredor.



Fig 3. Não ter clareza sobre qual é a “dose" de intensidade que esta ofertando ao organismo faz com que as adaptações que realmente importam não sejam desenvolvidas.

Cada intensidade de trabalho esta relacionada a determinados tipos de respostas adaptativas. Não se pode desenvolver todas a adaptações necessárias com intensidade de treino semelhantes e não se pode oferecer estímulos em intensidades distintas sem o devido controle que garanta que a intensidade prevista foi, de fato, realizada.

É necessário compreender que o exercício é um meio estressor que promoverá diversas respostas psicofisiológicas e de adaptação celular em uma série de tecidos e sistemas e que para maximizar tais respostas adaptativas é necessário controlar o estresse aplicado.

Tal tarefa nem sempre é simples, uma vez que o estresse aplicado dependerá da interação de diversas variáveis, tais como freqüência de treinamento, volume de treinamento, intensidade de treinamento, entre outras. Mas, sem duvida, dentre todas as variáveis do treinamento, a intensidade é a que oferece maior desafio para que seja devidamente controlada, além é claro, da interação entre todas as variáveis.

Para iniciarmos o entendimento sobre como controlar essa importante variável é necessário que se saiba que, de modo geral, a intensidade pode ser descrita de forma ABSOLUTA e RELATIVA.  

Fig 4. Exemplos de carga absoluta e carga relativa no treinamento físico.

Em atividades de endurance, como a corrida de rua, normalmente a intensidade é descrita por meio da VELOCIDADE, do PACE (ritmo, min/km) e/ou da Frequência Cardíaca, todos esses indicadores dizem respeito à intensidade ABSOLUTA, ou seja, representam níveis de esforço diferentes para diferentes indivíduos. Por exemplo, dois indivíduos correndo sob a mesma carga absoluta, 10km/h ou 6min/km ou 150-160bpm, certamente estão recebendo estímulos distintos, apesar de estarem realizando, aparentemente, a mesma atividade. Esses dois indivíduos estão recebendo estímulos distintos pois essa mesma carga absoluta certamente representará esforços relativamente diferentes para cada um deles. 

Para compreender qual foi o estímulo que cada atleta recebeu e assim identificar quais serão as respostas adaptativas que cada um sofrerá é necessário identificar em qual INTENSIDADE RELATIVA cada um deles trabalhou. 

Pois é, a intensidade relativa é a forma que nos permite compreender exatamente o tipo de estímulo que foi ofertado ao organismo. Nesse caso, ela pode ser expressa como percentual da freqüência cardíaca máxima, percentual da frequência cardíaca de reserva, percentual da velocidade máxima, percentual da velocidade de limiar anaeróbica, percentual da velocidade aeróbica máxima, dentre outras dezenas de maneiras. Apesar das dezenas de formas de expressar a intensidade relativa em atividades de endurance, habitualmente, se utiliza o percentual de consumo máximo de oxigênio (%VO2Máx).

A intensidade relativa, o %VO2Máx, em que o atleta realizou sua sessão de treino permite identificar precisamente em que zona de treinamento ele performou, qual foi o tipo de estresse imposto às células e, por isso, permite identificar precisamente qual será a melhor relação estimulo-repouso, quais as estratégias de recuperação que deverão ser implementadas e quais respostas adaptavas serão observadas nas células, tecidos e sistemas, entre outros aspectos.

Desse modo, pergunte-se, você sabe, precisamente, qual foi a intensidade que você trabalhou no seu último treino? Qual foi a intensidade relativa em que trabalhou? E o que essa intensidade representa para seu organismo?

Se sua resposta para essas perguntas for negativa, há uma grande chance de você estar treinando capacidades físicas erradas, errando na relação estimulo-repouso, mirando longe das adaptações que você realmente precisa e aumentando seu risco de lesão.

Contudo, não se preocupe, você não esta sozinho, a maioria absoluta dos corredores que treinaram seus 5k, 10k, 15k, 20, 30k e seus treinos intervalados hoje pela manhã também não sabem qual foi a intensidade relativa à qual submeteram seus corpos.

Na PARTE 2 dos textos dedicados à discussão sobre intensidade do treinamento traremos ferramentas simples para que você possa responder às perguntas acima de maneira positiva e assertiva e, dessa forma, possa compreender, enfim, que tipo de estímulo esta oferecendo às suas células e assim parar de treinar no escuro, sem saber exatamente para onde esta indo.

Continue nos acompanhado e não corra no escuro! 

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Referências:

ACSM, Quantity and Quality of Exercise for Developing and Maintaining Cardiorespiratory, Musculoskeletal, and Neuromotor Fitness in Apparently Healthy Adults: Guidance for Prescribing Exercise, Medicine & science in sports & exercise, 2011. DOI: 10.1249/MSS.0b013e318213fefb

Anderson O. Runing Science. Human Kinetics, Champaign-IL, 2013.

Impellizzeri FM, Marcora SM, Coutts, AJ. Internal and External Training Load: 15 Years On. International Journal of Sports Physiology and Performance, 2018.



terça-feira, 3 de março de 2020

FALANDO SOBRE A PRONAÇÃO.

     A escolha dos tênis sempre foi uma grande duvida para a maioria dos corredores. Critérios como amortecimento, conforto, controle de movimento, leveza, flexibilidade ou ventilação sempre são considerados na compra de um calçado e o critério predominante depende da maior demanda de cada corredor. Ou seja, a escolha acaba sendo muito pessoal. Neste primeiro texto abordaremos sobre o movimento de pronação e, posteriormente, sobre o papel dos tênis neste movimento. 

    Um fator de extrema importância do ponto de vista da biomecânica da corrida é a questão da movimentação do pés durante seu contato com o solo. Um dos movimentos muito abordados nas publicações e por pesquisadores é a pronação. Este movimento, a grosso modo, é a rotação do pé para dentro (mais especificamente, uma inversão, somada a uma abdução do pé, no momento do contato com o solo). 




   Este movimento depende da condição de dorsiflexão do pé, da carga no tornozelo, da utilização das articulações envolvidas e da integridade dos ligamentos (Hintermann e Nigg, 1998). Ainda acrescentaria outro fator como a força da musculatura intrínseca e extrínseca do pé (Zhang e colaboradores, 2019). 

    A pronação talvez seja o nosso primeiro amortecedor quando efetuamos o contato com o solo, pois é a primeira oportunidade que nosso organismo tem de utilizar força muscular para iniciar a atenuação do impacto. A utilização do arco medial longitudinal através do controle de seu rebaixamento pelos músculos permite esse primeiro amortecimento. Sendo assim, uma condição de falta de força na musculatura do pé, e uma postura já rebaixada do arco, diminuem a possibilidade de utilização deste primeiro amortecedor. 




   Apesar de ultimamente alguns especialistas dizerem que a pronação não está diretamente ligada a lesões nos membros inferiores de corredores, um recente estudo demonstrou o contrário com uma metanálise, demonstrando que existe a relação da pronação excessiva com algumas tendinopatias características do corredor ( Sindrome do trato íliotibial, tendinite patelar e disfunção do tendão do tibial posterior) (Mousavi e colaboradores, 2019). 

    Existe um outro fator de influencia da pronação sobre um outro importante movimento, no inicio da pisada: a rotação interna da tíbia. Esse é mais um movimento visando a atenuação de impacto que segue pelo corpo para que seja atenuado até chegar à cabeça. Aliás, o organismo tem a capacidade de, independente da velocidade de corrida, atenuar o impacto desde o pé até a cabeça, fazendo com o impacto no cérebro seja por volta de 1G (1 vez a força da gravidade) (Voloshin, 2016). 

   Assim, a não ocorrência da pronação, seja por um pé plano ou um pé cavo, ou qualquer outra causa, impossibilita a correta sincronia de movimentos entre pé, tornozelo e tíbia. Isso sobrecarrega estruturas superiores, aumentando a quantidade de impacto recebido por elas, pois na cabeça sempre chegará somente o equivalente a 1 vez a força da gravidade. Por isso, o movimento de pronação é de grande importância, mas desde que ocorra de uma forma controlada e continua durante a fase de amortecimento da pisada. 

       E o calçado pode influenciar na pronação? De forma positiva ou negativa? Bom isto discutiremos em nosso próximo post. Aguarde!!!


Referências Bibliográficas: 

Hintermann, B., & Nigg, B. M. (1998). Pronation in runners. Sports Medicine26(3), 169-176.

Mousavi, S. H., Hijmans, J. M., Rajabi, R., Diercks, R., Zwerver, J., & van der Worp, H. (2019). Kinematic risk factors for lower limb tendinopathy in distance runners: a systematic review and meta-analysis. Gait & posture69, 13-24.

Voloshin, A., 2016. How human musculoskeletal system deals with the heel strike initiated impact waves. Advances in Life Science and Medicine 02 (03), 01-09.

Zhang, X., Pauel, R., Deschamps, K., Jonkers, I., & Vanwanseele, B. (2019). Differences in foot muscle morphology and foot kinematics between symptomatic and asymptomatic pronated feet. Scandinavian journal of medicine & science in sports29(11), 1766-1773.