segunda-feira, 28 de outubro de 2019

NOSSAS ASSIMETRIAS PODEM AFETAR A SEGURANÇA DA NOSSA CORRIDA?


Todos sabemos que não somos totalmente simétricos. Sempre existe alguma diferença entre as estruturas em pares de nosso corpo. Aliás, muito se fala que a beleza de um corpo se dá exatamente pela simetria existente entre as estruturas. E dentro da funcionalidade de nossas estruturas, como estas assimetrias podem nos afetar em termos estáticos e dinâmicos? E ainda mais, como esta assimetria afetará músculos, ossos e articulações em uma condição de fadiga? Pode haver uma potencialização de problemas quando estamos cansados?

Pensando nisso, Radzak e colaboradores (2018) pesquisaram exatamente o efeito de nossas assimetrias na corrida em condições com e sem fadiga, acreditando que a condição de cansaço possa potencializar ainda mais as diferenças existentes entre os membros inferiores (MMII) a a consequência disso possa ser o aumento da possibilidade de lesão.

A pesquisa foi realizada com 20 jovens saudáveis, sendo 6 mulheres, sendo levantados dados cinéticos e cinemáticos (Análise 3D) da marcha e corrida descansados, e da corrida em estado de fadiga. Todos correram em uma pista de 18 metros sendo filmados com câmeras infravermelho, e tendo coletadas a força com que tocavam seus pés ao solo.



Das 33 variáveis cinéticas e cinemáticas, somente 1 não apresentou diferença entre os membros na condição descansada. Estes resultados caracterizam a amostra como apresentando assimetria entre os membros inferiores antes de colocá-los sob a condição de fadiga. Já sob esta condição, 30 variáveis apresentaram diferença estatística entre os membros.
Já a comparação entre a condição descansada e cansada os autores utilizaram uma relação angular definida em outro estudo citado pelos autores, utilizando uma razão entre o valor obtido para cada variável do MMII esquerdo e do direito. Quando este valor é mais próximo de O (zero), mais simétrico é o movimento.

Tabela 1 - Diferenças naos angulos de simetria entre a condição sem fadiga (rested) e com fadiga . 

         Neste estudo, a fadiga provocou a diminuição em 34% da assimetria da complacência do MMII (Stiffness - Kvert) mas o aumento dos valores absolutos desta variável;  a diminuição da assimetria na taxa de impacto (loading rate) em 35%, e também da assimetria do pico da força de frenagem(free moment at peak breaking force) em 36%, e aumentou em 91% a assimetria da excursão da rotação interna do joelho (knee internal rotation excursion).
Com relação a complacência e a taxa de impacto dos MMII, os autores afirmam que o aumento desta variável corresponde a um aumento significante na força vertical da reação do solo e da taxa de carga, indicando uma rápida transferência de força. A diminuição desta variável corresponde ao aumento do tempo de apoio atrasando o momento do pico da força vertical da reação do solo.
Quando se observa os resultados relativos ao joelho mais especificamente quanto à sua rigidez e a sua rotação interna, verifica-se que o joelho esquerdo teve estas variáveis diminuídas após os atletas serem avaliados em condição de fadiga, não acontecendo o mesmo com o esquerdo. Os autores tentam explicar esta diferença levando em consideração a questão da dominância de membros, mas não conseguem concluir nada à respeito já que a literatura sobre a questão não tem um posicionamento concreto.



Segundo os autores, algumas lesões como fratura de stress tibial, lesões por overuse  e osteoartrite no joelho, estão associadas a algumas das variáveis aqui analisadas como loading rate e o momento de adução;  a máxima velocidade na adução do joelho e excursão da rotação interna do joelho; e momento de adução no joelho e velocidade de joelho varo, respectivamente.  Apesar de trabalharem com somente indivíduos saudáveis propõem o acompanhamento destes corredores ao longo do tempo, no intuito de verificar o comportamento destas variáveis a longo prazo e suas consequências ao organismo do corredor.
Resumindo, muitas das variáveis previamente associadas com lesões nos MMII foram encontradas como assimétricas na condição descansada e sob fadiga.  A magnitude da assimetria em algumas variáveis diminuiu com a fadiga, outras tornaram-se mais assimétricas e o joelho parece ser a região mais suscetível ao aumento da magnitude das assimetrias.


Referência Bibliográfica: 


Radzak, K. N., Putnam, A. M., Tamura, K., Hetzler, R. K., & Stickley, C. D. (2017). Asymmetry between lower limbs during rested and fatigued state running gait in healthy individuals. Gait & posture51, 268-274.

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

QUALQUER UM PODE CORRER COMO OS MARATONISTAS DE ALTA PERFORMANCE?

          Em tempos das quebras da barreira das duas horas na Maratona masculina e de recorde de 16 anos da Maratona feminina, fica uma vontade de correr mais rápido e buscar o seu recorde pessoal... Mas a pergunta que fica é: será que qualquer corredor consegue correr como os corredores de elite? O que eles têm de diferente que pouquíssimas pessoas conseguem chegar neste patamar?

Fig. 1- Eliud Kipchoge e seu tempo no 159 Ineos Challenge 2019

Fig 2- Brigid Kosgei com o tempo recorde na Maratona de Chicago 2019

      Existe um primeiro fator de extrema importância e totalmente visível que é o somatotipo, vulgarmente  conhecido como biotipo.  Uma das principais características de um corredor de elite é ser magro e leve, com uma condição de volume muscular não tão grande como atletas de outras modalidades.

        O Índice de Massa Corpórea pode ser um indicativo de qual seria o corpo ideal considerando a elite da corrida de rua. Certo de que é um índice pouco preciso por fazer uma relação somente entre massa corporal e estatura, mas fornece um indicativo interessante. O ponto negativo deste índice é a incapacidade de identificar a composição dos tecidos corporais, não sendo capaz de diferenciar a quantidade de massa de gordura e massa isenta de gordura. 

        Vemos no gráfico à seguir a evolução do IMC dos atletas campeões olímpicos na Maratona. Percebe-se uma tendência à diminuição do IMC sabendo-se que os tempos foram diminuindo ao longo do tempo. Obviamente que este não é o único fator, mas digamos que um requisito importante. Se fosse o fator principal, qualquer modelo de passarela poderia ser uma maratonista. Mas muito pelo contrário, a ausência de adaptações é tamanha, que no geral, mal conseguem correr 1 km.

Gráfico 1- Índice de Massa Corpórea dos campeões masculinos da Maratona Olímpica. disponível em: https://www.topendsports.com/events/summer/science/athletics-marathon.htm

        Claro que um fator preponderante é a forma como se corre, a técnica de cada corredor.  Um estudo recente, de Preece e colaboradores, preocupou-se em comparar a técnica de corrida de corredores de alta performance (AP) e recreacionais, correndo fora da esteira. A pergunta: existe diferença na técnica da corrida de atletas de alta performance e recreacionais? Quais variáveis biomecânicas indicam a diferença entre estas duas populações, caso exista esta diferença ?

        Foram comparados 14 atletas de alta performance (AP) (6 mulheres) com media de 32 minutos nos 10k e 14 atletas recreacionais (8 homens) com media de 43 minutos nesta distância. Foi realizada uma análise 3D na corrida destes atletas em 4 velocidades: 11,9 ; 14; 17,3 e 20,1 km/h. Esta corrida foi realizada em uma pista de 32 metros e isso o diferencia de outros estudos citados que tentaram comparar a técnica dessas duas populações de corredores, mas na esteira.

          Em termos de resultados desta comparação, uma informação importante é a de que as variáveis biomecânicas analisadas demonstraram uma grande dependência da velocidade. Ou seja, a  manifestação destas variáveis em corredores recreacionais só ocorrerá em velocidades maiores, demonstrando que não dá para ficar olhando o que o atleta de elite faz, para nós, amadores, fazermos igual em velocidades mais baixas.

         E o que foi diferente, do ponto de vista biomecânico, entre os dois grupos? Os corredores AP apresentaram maior força vertical, maior velocidade vertical do centro de massa  (CoM) na propulsão,  maior tempo de vôo, maior perpendicularidade da tíbia no momento do toque do pé no solo, flexão do joelho antecipada e maior antes do contato com o solo, maior proporção de corredores de antepé, maior proximidade do pé em relação ao CoM.

Tabela 1 - Número de corredores com o tipo de pisada em retropé, a cada velocidade testada. 

      Segundo os autores, 9 variáveis das 16 levantadas explicaram 99% da variação existente entre os grupos elite e recreacionais.

       Dentre as variáveis estudadas os autores destacam que os atletas de alta performance em endurance mantém o comprimento de passada pela geração de um maior impulso vertical, isso foi provocado por um maior componente vertical do CoM após a propulsão, e consequentemente, aterrissando com um joelho mais extendido, mas com o pé mais proximo da prejeção do quadril. 

      Este maior componente vertical do CoM, principalmente na fase aérea, faz com que o atleta tenha mais tempo para trabalhar com uma amplitude elevada de passada, assim como, uma frequência de passada maior. Para que consiga correr melhor, o membro que tocará ao solo terá que ter maior rigidez, pois uma flexão excessiva proporcionará uma maior oscilação vertical da pelve durante o apoio, aumentando o tempo de contato, e diminuindo o componente elástico dos músculos na fase de apoio. Portanto, outro componente a ser analisado, de forma separada, é a oscilação da pelve na fase aérea e na fase de apoio. 

      Outra sugestão é que a alteração do aspecto relacionado à angulação da tíbia no contato inicial, já destacado em outro post que fizemos anteriormente sobre a técnica e a economia de corrida (OUTROS PONTOS DA TÉCNICA DA CORRIDA NECESSÁRIOS AO ENTENDIMENTO DA ECONOMIA DE CORRIDA E DA PERFORMANCE), pode corresponder às alterações em outras variáveis identificadas como importantes da diferença entre as duas populações de corredores. 

          Vemos abaixo a comparação no dois grupos em algumas variáveis mensuradas. 

Gráficos da média dos resultados obtidos nos grupos Alta performance (linha sólida) e recreacional (linha tracejada)  todos em velocidade de 14 km/h .  2a - Força de reação do solo ;  2b - Ângulo do Joelho ; 2c - Centro de pressão no pé ; 2d - Momento de força no tornozelo
        Durante o início do ciclo da passada, a evolução da Força de Reação do Solo (GRF, 2a) foi relativamente similar, diferenciando em seu pico, sendo maior no grupo AP,  devido a predominância da pisada com antepé. O momento do tornozelo (2d) também foi mais elevado durante o mesmo tempo pela mesma razão da corrida com antepé, para aumentar o uso da energia elástica no tendão calcâneo. A consequência disto foi o posicionamento do Centro de Pressão (CoP, 2c) no pé, estando mais anteriorizado neste grupo. Outra consequência foi o maior deslocamento do CoM na fase aérea aumentando o tempo de voo, permitindo o posicionamento mais vertical da tíbia, diminuindo a possibilidade da passada muito longa (overstriding). 

      Portanto percebe-se que para correr como os atletas de alta performance há a necessidade de algumas alterações em termos biomecânicos, para que se consiga chegar a maiores velocidades. Não é simplesmente a questão da frequência e amplitude de passada, mas principalmente em relação ao aumento do impulso vertical após a propulsão. Claro que não estamos adicionando a isso outras questões do ponto de vista da fisiologia, que seriam mais tantas outras variáveis, além das 9 encontradas neste estudo. 

       Acreditamos que esteja claro o quão complexo é acertar na prescrição em termos de performance. Fica a dica: seja mais crítico com relação às receitas prontas que oferecem resultado por questões aparentemente tão simples de serem modificadas. É sempre muito complexo modificar padrão de movimento na corrida, e consequentemente a performance. 

Bibliografia:


Preece, S.J., Bramah, C. and Mason, D., 2019. The biomechanical characteristics of high-performance endurance running. European Journal of Sport Science19(6), pp.784-792.

Robert Wood, Anthropometric Measurements of Olympic Marathon Champions. Topend Sports Website, December 2015, https://www.topendsports.com/events/summer/science/athletics-marathon.htm, Accessed 10/17/2019





  

terça-feira, 1 de outubro de 2019

OUTROS PONTOS DA TÉCNICA DA CORRIDA NECESSÁRIOS AO ENTENDIMENTO DA ECONOMIA DE CORRIDA E DA PERFORMANCE

Continuando a dissecação do artigo de Folland e colaboradores (2017) sobre outros pontos a serem destacados na biomecânica da corrida relacionados à Economia de corrida (EC) e performance,  aqui iniciaremos com a mínima velocidade da pelve, pois esta variável tem total influência na frenagem. 

Para os corredores de elite do grupo analisado esta variável teve um peso ainda maior na EC e na performance, que demonstrou correlação com maior gasto energético e pior performance.  Eles explicam que esta relação da frenagem com estas duas variáveis não é pelo simples ato de frear ao tocar o pé no solo, a qual envolve as forças passivas de impacto, assim como a atividade muscular excêntrica. Uma grande frenagem na fase inicial também provoca uma necessidade de maior aceleração propulsiva para reacelerar para manter a velocidade de corrida. Esta aceleração envolve mais gasto energético por aumento nas ações concêntricas necessárias para compensar uma grande frenagem. 

Outra variável, a postura do tronco, com sua pequena projeção à frente teve uma pequena correlação com performance, contradizendo a outros estudos apresentados pelos autores, onde esta variavel estava associada com a EC. 

A performance teve correlação também com alguns parâmetros da passada com o Duty Factor (DF- relação entre o tempo de contato com o solo e o tempo de voo de cada um dos pés). Segundo os autores, o baixo valor obtido no DF são subprodutos dos determinantes da performance na corrida, ou mais provável, que a cinemática ideal dacorrida seja determinada pela otimização de fatores como o DF, além do que simplesmente minimizar a EC. 

Além disso, outro fator importante, mas do ponto de vista cinemático, foi o menor comprimento de passada e a sua maior frequencia, mas correlacionados à EC. Os autores  sugeriram que uma passada muito ampla (overstriding) leva a uma corrida pouco econômica. A justificativa fornecida pelos autores foi através da citação de um estudo  afirmando sobre um aumento na rigidez do membro inferior em contato com o chão, ocorrida em uma condição de frequencia de passada menor, leva a uma redução na absorção de energia e, assim, reduz a Oscilação vertical (OV), comentada no post anterior (http://bit.ly/2n4dTD6). 

Os ângulos da dorsiflexão do pé  e da tibia em relação a uma linha vertical, assim como, a amplitude de movimentação de quadril e joelho durante o contato do pé com o solo, foram negativamente relacionadas à performance. 

Figura 1 - Figura de palito ilustrando os angulos mensurados na avaliação cinemática do estudo. (Modificado de Folland e colaboradores, 2017).
Destacando alguns outros fatores relacionados á técnica da corrida, os autores afirmam que ela pode ser consistente independente da velocidade. Segundo os autores, o corredor com menor angulo na tíbia no momento do contato com o solo entre 10 e 12 km/h também terá ângulos similares a velocidades maiores. 

Para terminar, Folland e colaboradores (2017) concluem que variáveis cinemáticas explicam cerca de 39% da EC e 31% da performance. Recomendam a atenção de atletas e técnicos para os parâmetros relativos à passada para otimizar a movimentação da pelve e consequentemente aumentar a performance. 


Referência Bibliográfica: 

Folland, J. P., Allen, S. J., Black, M. I., Handsaker, J. C., & Forrester, S. E. (2017). Running technique is an important component of running economy and performance. Medicine and science in sports and exercise49(7), 1412.