sexta-feira, 26 de julho de 2019

TREINAMENTO EM LADEIRA É REALMENTE IMPORTANTE PARA A ECONOMIA DE CORRIDA E PERFORMANCE?


por Luis Felipe Milano Teixeira 




Nossas publicações veem dando atenção à aspectos que podem, ou não, desenvolver a ECONOMIA DE CORRIDA (EC). A publicação de 12/07/2019, (Como o HIIT pode contribuir com a Economia de Corrida - https://vastuscorrida.blogspot.com/2019/07/como-o-hiit-pode-contribuir-com.html) discutiu o papel do treinamento intervalado de alta intensidade (HIIT) no aprimoramento da EC, no entanto, um tipo específico de HIIT muito difundido entre corredores é o treinamento em ladeira, também denominado como treinamento em rampa e merece uma atenção especial. Desse modo, nessa postagem temos o objetivo de aprofundar a temática dos efeitos do HIIT na EC com ênfase para o treinamento em ladeira/rampa.

O treinamento em ladeira/rampa representa uma forma de treinamento intervalado frequentemente utilizada por treinadores, atletas e praticantes de corrida de rua. Uma rápida busca no Google sobre treinamento em ladeira/rampa nos retorna centenas de resultados, em sua maioria, destacando o papel essencial desse método de treinamento para desenvolvimento de força e, consequentemente, aprimoramento da EC e da performance em corrida de longa distância. Tal conclusão também é encontrada em alguns trabalhos de revisão, o que nos leva a acreditar que de fato se trata de uma metodologia indispensável (Sanders et al., 2004; Midgley et al., 2007).

Contudo, uma busca mais criteriosa, demostra que existem poucos estudos que investigaram o efeito desse tipo de treinamento e que a maioria dos registros sobre o treinamento em ladeira/rampa não estão baseados em dados oriundos de estudos científicos criteriosos, o que nos faz pensar se, de fato, se trata de uma metodologia indispensável (Barnes and Kilding, 2014). Daí a necessidade de uma investigação mais cuidadosa sobre o tema.

Ferley et al. (2013), investigaram os efeitos crônicos do treinamento em ladeira/rampa sobre o Consumo Máximo de Oxigênio (VO2Máx), velocidade associada ao VO2Máx (VMáx), velocidade associada ao limiar de lactato (VTL) e o tempo no qual a VMáx pode ser sustentada (TMáx) em corredores bem treinados (60,9+8,5 ml/kg/min). Para tal, Ferley e colaboradores (2013) dividiram 32 corredores bem treinados em três grupos. Um grupo recebeu o treinamento intervalado em ladeira/rampa (GHill; n=12); outro recebeu treinamento intervalado no terreno plano (GFlat; n=12); enquanto um terceiro, grupo controle, só realizou treinamento moderado de longa duração (GCon; n=8). O experimento teve duração de 6 semanas, onde os grupos com treinamento intervalado (GHill e GFlat) realizaram 12 sessões de treinamento intervalado e 12 sessões de treinamento continuo (4 treinos por semana, 2 HIIT e 2 contínuos) e o grupo controle manteve sua rotina normal de treinamento.

O treino em ladeira/rampa realizado pelo GHill foi composto por 10-14 séries de 30 segundos em esteira com inclinação de 10% na VMáx e intervalos entre as séries até que a Frequência Cardíaca (FC) atingisse 65% da FC máxima. Nos dias de treinamento continuo o grupo GHill realizou 45-60min à 75%VMáx em esteira com 1% de inclinação. O treino intervalado realizado pelo grupo GFlat foi composto por 4-6 séries com duração de 60%TMáx em esteira com inclinação de 1% e intervalos até que a FC atingisse 65% da FC máxima. Nos dias de treinamento continuo o grupo GFlat realizou 45-60min à 75%VMáx em esteira com 1% de inclinação. Finalmente, os participantes do GCon mantiveram suas rotinas habituais de treinamento. Um ponto importante desse estudo é que os autores se preocuparam em monitorar o volume das sessões de treinamento de todos os grupos e puderam observar que não houve diferença no volume de treinamento intervalado, de treinamento continuo e do volume total entre os grupos GHill e GFlat, enquanto o grupo controle apresentou volume de treinamento significativamente maior que os grupos experimentais (Tabela 1).

Tabela1. Comparação do volume de treinamento ao longo das 6 semanas de experimento (Ferley et al., 2013) 

Os resultados encontrados pelos autores (Tabela 2) demostraram que tanto o GHill quanto o GFlat apresentaram desenvolvimento no TMáx . Contudo, ao comparar os dois métodos, o treinamento intervalado em terreno plano realizado pelos integrantes do GFlat se mostrou mais eficiente que o GHill.

Tabela2. Resultados dos testes pré e pós as 6 semanas de intervenção (Ferley et al., 2013) 


O estudo apresentado demonstra a necessidade de mais investigações acerca dos efeitos do treinamento em ladeira/rampa em corredores de longa distância para que seus efeitos possam ser exaltados da forma como ocorre atualmente. Como dito no início do texto, treinadores, corredores e demais profissionais relacionados à corrida de longa distância ressaltam os benefícios do treinamento em subida e o colocam como essencial em um programa de treinamento apesar das poucas evidências científicas publicadas para dar suporte a eficácia fisiológica ou qualquer consenso quanto a manipulação das variáveis relacionadas a esse método (intensidade, volume, inclinação, intervalo, entre outras).

No modelo testado (séries de 30segundos com inclinação de 10% em VMáx)  o treinamento em ladeira/rampa demonstrou ser eficiente como método de treinamento por gerar adaptações interessantes nos processos metabólicos, sem contar que pode gerar tais adaptações com um investimento de tempo menor (volume de treino).

No entanto, vale destacar também que o princípio da especificidade representa um aspecto importante de qualquer programa de treinamento e que a corrida em ladeira/rampa talvez não represente de modo significativo as exigências dessa modalidade esportiva, o que talvez explique o fato do GFlat ter obtido melhores resultados que o GHiit em relação ao tempo mantido em velocidade associada ao VO2Máx. Desse modo, o treinamento em ladeira/rampa por si só pode não ser o método de treinamento mais benéfico se pretende ter um bom rendimento em um percurso de corrida predominante plano.

Desse modo, fica notório que há um grande “gap" na literatura a respeito da relação entre  sessões de treinamento intervalado em ladeira/rampa com EC ou qualquer outro aspecto relacionado à performance em corridas de longa duração. Há necessidade de mais estudos que investiguem outros modelos de treinamento em ladeira/rampa, com diferentes intensidades, inclinações, volume de série e treino entre outras variáveis que possam ser manipuladas para se ter segurança do que se pode atingir com esse método.

Contudo, vale ressaltar que, ao contrário de outros métodos de treinamento contra-resistência, onde uma transferência de aprendizado precisaria ocorrer para melhorar a EC, o treino em ladeira/rampa é específico em relação ao movimento e provavelmente impacta diretamente em um ou mais dos sistemas metabólicos, biomecânicos e neuromusculares que estão relacionados à EC e por isso deve ser considerado como parte de um programa de treinamento completo.

Para aqueles que se interessarem sobre o tema, sugerimos a leitura do artigo intitulado “Effects of Different Uphill Interval-Training Programs on Running Economy and Performance” de autoria de Kyle Barnes, Andreu Kilding e Michael McGuigan, publicado em 2013 (Vol. 8) no “International Journal of Sports Physiology and Performance”. Nesse artigo, que será abordado em breve em nosso blog, os pesquisadores investigaram diferentes modelos de treinamento intervalado em ladeira/rampa e seus resultados podem contribuir bastante para o aprofundamento dessa temática.

Referências

Barnes KR, Kilding A. Strategies to improve Running Economy. Sports Medicine. 2014.

Barnes KR, Hopkins WG, McGuigan MR, et al. Effects of different uphill interval-training programs on running economy and performance. Int J Sports Physiol Perform. 2013;8(6):639–47.

Ferley DD, Osborn RW, Vukovich MD. The effects of uphill vs. level-grade high-Intensity interval training on VO2max, VMax, vLT and TMax in well-trained distance runners. J Strength Cond Res. 2012;27(6):1549–59. 

Midgley AW, McNaughton LR, Jones AM. Training to enhance the physiological determinants of long-distance running per- formance: can valid recommendations be given to runners and coaches based on current scientific knowledge? Sports Med. 2007;37(10):857–80. 

Saunders PU, Pyne DB, Telford RD, et al. Factors affecting running economy in trained distance runners. Sports Med. 2004;34(7):465–85. 

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