quinta-feira, 18 de julho de 2019

CORRER COM ANTEPÉ ASSEGURA UMA BOA PERFORMANCE?

Aprofundando um pouco no que havíamos abordado anteriormente, no post sobre a economia de corrida (https://bit.ly/2XUnjgw)  e, posteriormente, sobre como cada tipo de pisada não influencia nesta variável (https://bit.ly/32vyvDN), apresentamos um interessante e atual levantamento sobre o tipo de pisada em maratonistas de elite, desmistificando a questão de que a melhor performance está relacionada ao tipo de pisada.

Mas antes gostaríamos de apresentar o grau de complexidade quanto a questão da melhora da performance na corrida de longa duração. Veja o quadro abaixo retirado de uma importante estudo de 20 anos atrás, mas com citações em quase 1000 trabalhos científicos por todo o mundo, até os dias atuais.

Fig 1- Esquema dos fatores determinantes da performance em corridas de endurance (Paavolainen et al, 1999)

Observando o quadro, de baixo para cima, percebemos que a performance na corrida de longa duração depende de 4 grandes variáveis, sendo elas relativas ao consumo máximo de oxigênio (VO2max), ao limiar anaeróbico (LT), à Economia de Corrida (Running Economy), e a uma variável determinada pelos autores como VMart (velocidade mantida por 20 segundos em um teste incremental, onde em cada estágio houve o aumento de 0,35 m/s, com 100 segundos de recuperação. V Mart era a velocidade obtida no ultimo estágio em que o atleta consegue correr os 20 segundos completos).

Seguindo a nossa linha de raciocínio desde o segundo post (https://bit.ly/2XUnjgw), e abordando especificamente à EC, percebemos que, Paavolaine e colaboradores (1999) descrevem esta variável como dependente da Potência aeróbia, assim como da capacidade neuromuscular (veja as setas que chegam à Running Economy, no quadro), onde uma parte da questão neuromuscular está relacionada com a mecânica da corrida, e hoje ainda abordaremos o tipo de pisada como uma menor fração da mecânica da corrida.





Dentro do que abordamos anteriormente, sobre a não influência da pisada na EC (https://bit.ly/32vyvDN), pode-se considerar que a decisão sobre a forma de correr está muito mais relacionada à velocidade com que a corrida é realizada, assim como ao histórico motor de cada corredor.

Com relação à velocidade, diversos autores já demonstraram que o seu aumento eleva o percentual de corredores que utilizam o tipo de pisada com medio e antepé, em provas de 15k a maratona, onde os atletas de elite apresentam um percentual maior de corredores com este tipo de pisada, e os corredores recreacionais apresentam percentuais extremamente baixos de utilização desta forma de correr. (Hasegawa et al 2007; Larson et al 2011;  Kasmer et al ,2013; Hatala et al , 2013) 

Com relação ao histórico motor de cada corredor, a prática da corrida durante a sua vida determinará a forma de correr, assim, um velocista dificilmente será um corredor de retropé mesmo na situação de uma corrida de longa duração. Lieberman e colaboradores (2010) demonstraram que 91% dos corredores quenianos avaliados, com um histórico de uso de calçados recente, ainda continuavam correndo com antepé e mediopé. Enquanto que ao calçarem um tênis este percentual caiu para 72%. Percebe-se com este dado o quanto um padrão motor é determinante na forma de se locomover através da corrida.



Mas voltando ao levantamento citado no primeiro parágrafo, Hanley e colaboradores (2019) classificaram a pisada de 71 corredores e 78 corredoras no Campeonato Mundial de Atletismo em 2017, cujas performances na maratona deste evento estão apresentadas abaixo: 


Tabela 1- Caracterização dos corredores(as) quanto à suas performances na maratona no Campeonato Mundial de Atletismo em 2017. ( All finishers - todos os corredores (as) que terminaram a prova - Top 50% - os 50% mais rápidos ; Bottom 50% - os 50% mais lentos; %of PB - percentual acima do melhor tempo para a prova).



Ao verificarmos os resultados de como estes excelentes corredores pisam percebemos que não é a maioria que utiliza a corrida com antepé para correr. Vejam os gráficos apresentados pelos autores. 

Figura 2 - Distribuição do tipo de pisada em corredoras Retropé (RFS), Médiopé (MFS) e Antepé (FFS). Percebam que existem algumas corredoras com assimetria, principalmente entre retropé e médiopé. Os números dos circulos mostram a quantidade de corredoras com cada tipo de pisada. 
Figura 3 - Distribuição do tipo de pisada em corredores Retropé (RFS), Médiopé (MFS) e Antepé (FFS). Percebam que existem alguns corredores com assimetria, principalmente entre retropé e médiopé. Os números dos circulos mostram a quantidade de corredores com cada tipo de pisada.  
 As filmagens para determinação da pisada foram feitas em 4 momentos (4 voltas) e isso permitiu visualizar a tendência de aumento de utilização do retropé de acordo com a evolução da prova, tanto para homens como para mulheres, ao visualizarmos o aumento do número no círculo do retropé (RFS). Nas mulheres de 51 para 57 corredoras e nos homens de 37 para 47 corredores. 

Com relação ao mediopé (MFS) percebe-se uma tendência à manutenção nas mulheres (21 a 19 corredoras) e uma tendência à diminuição nos homens  (30 para 21 corredores). Já para a corrida de antepé percebe-se a manutenção e até a diminuição de um pequeno número de corredores. Lembrando que todos eles são corredores com excelentes tempos na maratona, obviamente, comparados conosco, meros mortais no mundo da corrida. 

Uma observação interessante é o maior número de mulheres correndo com retropé comparados aos homens, e um maior número de corredores de mediopé comparados às corredoras. Novamente entra a questão da velocidade já abordada anteriormente. Com o aumento da velocidade existe uma tendência à modificação no tipo de pisada, e como os homens correm mais rápidos, natural a manifestação de mais corredores com medio e antepé comparados às atletas. 

O mais interessante deste estudo são os dados apresentados terem sido coletados no ambiente de competição, demonstrando uma validade ecológica importante, pois os atletas não foram expostos a uma situação de experimento, e sim de competição real, tendo que se qualificar para participar do Campeonato Mundial, ou seja, a amostra do experimento é de extrema qualidade para identificar os fatores propostos. 

Como conclusão, os autores sugerem que não existe um padrão ótimo de pisada pensando em termos de performance e, além disso, afirmam que os atletas não devem ser encorajados a modificar a sua pisada, mas sim, deixa-las se manifestar naturalmente, quando o objetivo for a performance. 



Referências: 

- Paavolainen, Leena, et al. "Explosive-strength training improves 5-km running time by improving running economy and muscle power." Journal of applied physiology  (1999): 1527-1533.

- Hasegawa, Hiroshi, Takeshi Yamauchi, and William J. Kraemer. "Foot strike patterns of runners at the 15-km point during an elite-level half marathon." Journal of Strength and Conditioning Research  (2007): 888.


- Larson, Peter, et al. "Foot strike patterns of recreational and sub-elite runners in a long-distance road race." Journal of sports sciences (2011): 1665-1673.


- Kasmer, Mark E., et al. "Foot-strike pattern and performance in a marathon." International journal of sports physiology and performance (2013): 286-292.


- Hatala, Kevin G., et al. "Variation in foot strike patterns during running among habitually barefoot populations." PloS one (2013): e52548.


- Lieberman, Daniel E., et al. "Foot strike patterns and collision forces in habitually barefoot versus shod runners." Nature (2010): 531.



- Hanley, Brian, et al. "Most marathon runners at the 2017 IAAF World Championships were rearfoot strikers, and most did not change footstrike pattern." Journal of biomechanics (2019).


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