sábado, 14 de março de 2020

INTENSIDADE DE TREINAMENTO NA CORRIDA DE LONGA DURAÇÃO | PARTE 1: Mas afinal, o que é isso?


Luis Felipe Milano Teixeira
@teixeiraluisfelipe
teixeira.luisfelipe@gmail.com


Nessa nova série da VASTUS CORRIDA (@vastuscorrida) sobre as VARIÁVEIS DO TREINAMENTO em corridas de longa duração, já discutimos a FREQUÊNCIA DE TREINAMENTO e o VOLUME DE TREINAMENTO, agora é chegada a hora de iniciar às discussões sobre uma variável que determinará todas as demais e que, de modo geral, é a mais negligenciada por corredores de rua, vamos iniciar a discussão sobre INTENSIDADE DE TREINAMENTO.
Por se tratar de uma variável complexa e com diversas nuances, à discutiremos em três textos, o primeiro dedicado a caracteriza-la, o segundo dedicado à demostrar algumas ferramentas para monitora-la e o terceiro texto discutirá modelos de distribuição da intensidade de acordo com a periodização e objetivos de treinamento.

Corredores de rua, normalmente, priorizam treinos em intensidades mais  baixas e moderadas na fase de preparação geral, ou base, do treinamento e procuram aumentar a intensidade nas fases mais específicas. Contudo, a falta de cuidado no monitoramento e controle dessa variável faz com que a maioria absoluta dos corredores de rua permaneçam treinando nas mesmas zonas de treinamento por longos períodos, ou mesmo, por todo o macrociclo de treinamento determinado, mesmo tendo a intensão de promover alterações nessa variável. Por outro lado, há um considerável arcabouço de informação na literatura científica que demostra que apenas essas zonas de intensidade de treinamento possuem fraco efeito sobre os indicadores de performance aeróbica quando comparados a zonas mais intensas 



 Fig 1. Corredores, de modo geral, preferem realizar treinos longos e acabam realizando seus estímulos sempre dentro das mesmas zonas de intensidade.

Desse modo, se destaca não apenas a necessidade de compreender o que é intensidade de treinamento e como ela se manifesta, como ela pode ser mensurada e como ela pode, e deve, ser monitorada.

Para construir e consolidar esse conceito é importante ter claro que a intensidade esta diretamente relacionada à “dose" de exercício, ou de estímulo, que esta sendo ofertado ao organismo que treina, e que, por esse motivo, esta diretamente relacionada à resposta, ou adaptação, que esse organismo que treina sofrerá.

Quando iniciamos, ou mantemos, um processo de treinamento o fazemos por algum objetivo. Para atingir esse objetivo será necessário desenvolver algumas capacidades físicas necessárias à tornar o organismo que treina apto a realiza-lo. Para desenvolver essas capacidades físicas necessárias à tornar o organismo que treina apto a realizar o objetivo será necessário desenvolver adaptações biomoleculares, teciduais, fisiológicas e biomecânicas que estão diretamente relacionadas às “doses" de estímulo que serão ofertadas ao organismo que treina durante o processo de preparação. Enfim, se não se sabe, exatamente, a intensidade, a “dose" de estímulo que esta sendo ofertada ao organismo, não se pode prever as adaptações que serão geradas, o que impede de ter clareza do desenvolvimento das capacidades físicas necessárias ao desenvolvimento da aptidão física para se alcançar o objetivo proposto.

Em outras, e muito mais simples palavras, quando não se sabe a “dose" exata de estímulo que esta sendo ofertada ao organismo não há como garantir absolutamente nada, tão pouco, ter segurança no processo de treinamento, segurança de que o objetivo será atingido e segurança de que será atingido com o menor risco de lesão. 


Fig 2. Quando não é ofertada a intensidade correta para determinada adaptação não adianta esperar que essa adaptação ocorra.


Partindo desse preceito, começa a ficar claro por que tantos corredores se lesionam no processo de treinamento, por que tantos corredores passam longos períodos sem melhorar suas marcas, por que tantos corredores continuam a treinar sem evoluir adequadamente, em ritmo muito menor do que seriam capazes. Começa a ficar claro por que tantos corredores possuem indicadores excelentes de potência aeróbica (i.e. VO2Máx) e, ao mesmo tempo, indicadores muito abaixo dos esperados em potência aeróbia (i.e. Limiares) e por isso percorram bem abaixo do que poderiam.

Normalmente, corredores não controlam adequadamente a intensidade de seus treinos, não sabem exatamente o tipo de estímulo, a magnitude da “dose" de exercício, que esta sendo ofertada ao organismo e, por esse motivo, não sabem exatamente o que estão estimulando e não atingem os resultados esperados por estarem estimulando algumas adaptações, enquanto precisam de outras.

Sim, exatamente isso, você pode estar trabalhando em intensidades que estimulam adaptações das quais você já não necessita mais, pelo menos em determinado momento, e perdendo a oportunidade de ofertar ao seu organismo estímulos que levem às adaptações que farão você correr mais e mais rápido, objetivo final de qualquer corredor.



Fig 3. Não ter clareza sobre qual é a “dose" de intensidade que esta ofertando ao organismo faz com que as adaptações que realmente importam não sejam desenvolvidas.

Cada intensidade de trabalho esta relacionada a determinados tipos de respostas adaptativas. Não se pode desenvolver todas a adaptações necessárias com intensidade de treino semelhantes e não se pode oferecer estímulos em intensidades distintas sem o devido controle que garanta que a intensidade prevista foi, de fato, realizada.

É necessário compreender que o exercício é um meio estressor que promoverá diversas respostas psicofisiológicas e de adaptação celular em uma série de tecidos e sistemas e que para maximizar tais respostas adaptativas é necessário controlar o estresse aplicado.

Tal tarefa nem sempre é simples, uma vez que o estresse aplicado dependerá da interação de diversas variáveis, tais como freqüência de treinamento, volume de treinamento, intensidade de treinamento, entre outras. Mas, sem duvida, dentre todas as variáveis do treinamento, a intensidade é a que oferece maior desafio para que seja devidamente controlada, além é claro, da interação entre todas as variáveis.

Para iniciarmos o entendimento sobre como controlar essa importante variável é necessário que se saiba que, de modo geral, a intensidade pode ser descrita de forma ABSOLUTA e RELATIVA.  

Fig 4. Exemplos de carga absoluta e carga relativa no treinamento físico.

Em atividades de endurance, como a corrida de rua, normalmente a intensidade é descrita por meio da VELOCIDADE, do PACE (ritmo, min/km) e/ou da Frequência Cardíaca, todos esses indicadores dizem respeito à intensidade ABSOLUTA, ou seja, representam níveis de esforço diferentes para diferentes indivíduos. Por exemplo, dois indivíduos correndo sob a mesma carga absoluta, 10km/h ou 6min/km ou 150-160bpm, certamente estão recebendo estímulos distintos, apesar de estarem realizando, aparentemente, a mesma atividade. Esses dois indivíduos estão recebendo estímulos distintos pois essa mesma carga absoluta certamente representará esforços relativamente diferentes para cada um deles. 

Para compreender qual foi o estímulo que cada atleta recebeu e assim identificar quais serão as respostas adaptativas que cada um sofrerá é necessário identificar em qual INTENSIDADE RELATIVA cada um deles trabalhou. 

Pois é, a intensidade relativa é a forma que nos permite compreender exatamente o tipo de estímulo que foi ofertado ao organismo. Nesse caso, ela pode ser expressa como percentual da freqüência cardíaca máxima, percentual da frequência cardíaca de reserva, percentual da velocidade máxima, percentual da velocidade de limiar anaeróbica, percentual da velocidade aeróbica máxima, dentre outras dezenas de maneiras. Apesar das dezenas de formas de expressar a intensidade relativa em atividades de endurance, habitualmente, se utiliza o percentual de consumo máximo de oxigênio (%VO2Máx).

A intensidade relativa, o %VO2Máx, em que o atleta realizou sua sessão de treino permite identificar precisamente em que zona de treinamento ele performou, qual foi o tipo de estresse imposto às células e, por isso, permite identificar precisamente qual será a melhor relação estimulo-repouso, quais as estratégias de recuperação que deverão ser implementadas e quais respostas adaptavas serão observadas nas células, tecidos e sistemas, entre outros aspectos.

Desse modo, pergunte-se, você sabe, precisamente, qual foi a intensidade que você trabalhou no seu último treino? Qual foi a intensidade relativa em que trabalhou? E o que essa intensidade representa para seu organismo?

Se sua resposta para essas perguntas for negativa, há uma grande chance de você estar treinando capacidades físicas erradas, errando na relação estimulo-repouso, mirando longe das adaptações que você realmente precisa e aumentando seu risco de lesão.

Contudo, não se preocupe, você não esta sozinho, a maioria absoluta dos corredores que treinaram seus 5k, 10k, 15k, 20, 30k e seus treinos intervalados hoje pela manhã também não sabem qual foi a intensidade relativa à qual submeteram seus corpos.

Na PARTE 2 dos textos dedicados à discussão sobre intensidade do treinamento traremos ferramentas simples para que você possa responder às perguntas acima de maneira positiva e assertiva e, dessa forma, possa compreender, enfim, que tipo de estímulo esta oferecendo às suas células e assim parar de treinar no escuro, sem saber exatamente para onde esta indo.

Continue nos acompanhado e não corra no escuro! 

Siga a @VASTUSCORRIDA e vá mais longe.


Referências:

ACSM, Quantity and Quality of Exercise for Developing and Maintaining Cardiorespiratory, Musculoskeletal, and Neuromotor Fitness in Apparently Healthy Adults: Guidance for Prescribing Exercise, Medicine & science in sports & exercise, 2011. DOI: 10.1249/MSS.0b013e318213fefb

Anderson O. Runing Science. Human Kinetics, Champaign-IL, 2013.

Impellizzeri FM, Marcora SM, Coutts, AJ. Internal and External Training Load: 15 Years On. International Journal of Sports Physiology and Performance, 2018.



Nenhum comentário:

Postar um comentário